Parte III, A Teoria da Alienação
Por Bertell Ollman
br>div>Capítulo 18>br>A teoria da alienação br>>p>A teoria da alienação é a construção intelectual em que Marx mostra o efeito devastador da produção capitalista sobre os seres humanos, sobre os seus estados físicos e mentais e sobre os processos sociais dos quais fazem parte. Centrada no indivíduo que age, é a forma de Marx ver os seus contemporâneos e as suas condições (um conjunto de formas para compreender a sua interacção), bem como o que ele vê aí (o conteúdo derramado nestas formas). Trazidos sob a mesma rubrica estão as ligações entre um homem, a sua actividade e produtos, os seus semelhantes, a natureza inanimada e a espécie. Assim, em suma, como a concepção de Marx do homem na sociedade capitalista, a teoria da alienação só poderia ser estabelecida depois de os seus elementos constituintes terem sido contabilizados.
Para efeitos de discussão da alienação, os seguintes pontos, feitos no início da Parte I e ilustrados em capítulos subsequentes, servirão como o meu carácter filosófico: O assunto de Marx compreende um todo orgânico; os vários factores que ele trata são facetas deste todo; existem relações internas entre todos esses factores; o efeito recíproco predomina e tem prioridade lógica sobre a causalidade; as leis preocupam-se com padrões de efeito recíproco; os conceitos que Marx utiliza para se referir a factores transmitem as suas relações internas; isto torna possível falar de cada factor como uma “expressão” do todo (ou de uma grande parte dele) ou como uma “forma” de algum outro factor; finalmente, a opinião de Marx de que os factores estão relacionados internamente, juntamente com a sua prática de incorporar tais relações como parte dos significados dos conceitos de cobertura, permite-lhe transferir qualidades que estão associadas na mente popular com um factor para outro para registar alguma alteração significativa no seu efeito recíproco. Ao tentar construir um relato coerente da teoria da alienação de Marx dentro deste quadro, este mesmo quadro será posto à prova.
p>Talvez a forma mais significativa em que a teoria da alienação é mais significativa porque determina principalmente a aplicação da teoria é a relação interna que ela sublinha entre o presente e o futuro. A alienação só pode ser entendida como a ausência de alienação, servindo cada estado como ponto de referência para o outro. E, para Marx, a inalienação é a vida que o homem leva no comunismo. Sem algum conhecimento do futuro milénio, a alienação permanece uma reprovação que nunca poderá ser esclarecida. Uma abordagem para compreender a “geografia lógica” envolvida pode ser feita contrastando as expressões “saúde” e doença”: só sabemos o que é ter uma determinada doença porque sabemos o que ela não é. Se não tivéssemos uma concepção de saúde, a situação coberta pelos sintomas pareceria ‘normal’.1 Além disso, quando declaramos que alguém está doente, consideramos isto uma declaração de ‘facto’ e não uma avaliação baseada num padrão externo. Isto porque normalmente concebemos a saúde e a doença como estando relacionadas internamente, sendo a ausência de um elemento necessário para a medição do outro. Do mesmo modo, é porque Marx apresenta uma relação interna entre os estados de alienação e de inalienação que não podemos considerar as suas observações como avaliações. Não existe um padrão “exterior” a partir do qual se possa julgar.
‘Alienação’, então, é utilizado por Marx para se referir a qualquer estado de existência humana que esteja ‘afastado’ ou ‘menos do que’ a inalienação, embora, reconhecidamente, ele geralmente reserve esta reprovação para os casos mais extremos.2 É neste sentido e nesta escala, contudo, que Marx se refere à alienação como “um erro, um defeito, que não deveria ser”.3 Tanto o indivíduo como o seu modo de vida podem ser falados como “alienados” e, neste último caso, a etiqueta “reino do afastamento” é aplicada às áreas mais infectadas.4*
Mais ainda, decorre da aceitação do comunismo como a medida relevante que todas as classes são consideradas alienadas nas formas e na medida em que os seus membros ficam aquém do ideal comunista. Consequentemente, Marx afirma que uma das manifestações de alienação é que “tudo está sob o domínio do poder desumano” e acrescenta, “isto aplica-se também ao capitalista”.5 As formas de alienação diferem para cada classe porque a sua posição e estilo de vida diferem, e, como esperado, a aflição do proletariado é a mais severa. Marx também se debruça muito mais sobre o destino dos produtores, e normalmente tem-nos em mente quando faz declarações gerais sobre “a alienação do homem”. Nesses casos, outras classes são incluídas na referência na medida em que partilham com o proletariado as qualidades ou condições que estão a ser comentadas. Adoptei a mesma prática ao relacionar os pontos de vista de Marx. Ao acrescentar um capítulo especial sobre a peculiar alienação dos capitalistas, espero dissipar qualquer confusão que isto possa causar.
A teoria da alienação, contudo, é mais do que um mero resumo do que já foi dito a respeito da concepção de Marx sobre o homem. É também um novo ponto focal a partir do qual se pode ver o ser humano e, por conseguinte, falar dele, um ponto que sublinha o facto da segmentação ou da ruptura prática dos elementos interligados na sua definição. Todas essas características, apreendidas por Marx como relações, que marcam o homem a partir de outras criaturas vivas alteraram-se, tornaram-se algo mais.6 Numa declaração da sua tarefa, Marx declara:
O que requer explicação não é a unidade dos seres humanos vivos e activos com as condições naturais e inorgânicas do seu metabolismo, com a natureza, e portanto a sua apropriação da natureza; nem é isto o resultado de um processo histórico. O que devemos explicar é a separação destas condições inorgânicas da existência humana desta existência activa, uma separação que só se completa plenamente na relação entre trabalho assalariado e capital.7 (Marx’s emphasis.)
Dada a unidade particular entre o homem e a natureza com Marxabetted pela sua concepção das relações internasgrasps como natureza humana, qualquer alteração significativa nestas relações que diminua o papel do indivíduo como iniciador é vista como separando-as. De expressões evidentes do seu carácter distintivo, as relações entre o homem e o mundo exterior tornaram-se meios de dissimular este carácter por detrás de cada um dos vários elementos sobre os quais ele perdeu o controlo. A teoria da alienação centra-se na suposta independência destes elementos.
A distorção no que Marx considera ser a natureza humana é geralmente referida numa linguagem que sugere que um laço essencial foi cortado no meio. Fala-se do homem como sendo separado do seu trabalho (ele não desempenha qualquer papel na decisão do que fazer ou como fazê-lo)uma ruptura entre o indivíduo e a sua actividade de vida. Diz-se que o homem é separado dos seus próprios produtos (não tem qualquer controlo sobre o que faz ou sobre o que se torna depois)uma ruptura entre o indivíduo e o mundo material. Diz-se também que está separado dos seus semelhantes (a competição e a hostilidade de classe tornou impossível a maioria das formas de cooperação)uma ruptura entre o homem e o homem. Em cada caso, uma relação que distingue a espécie humana desapareceu e os seus elementos constituintes foram reorganizados para aparecerem como outra coisa.
O que resta do indivíduo depois de todas estas clivagens terem ocorrido é uma mera alcatra, um mínimo denominador comum alcançado ao retirar todas as qualidades nas quais se baseia a sua pretensão de reconhecimento como homem. Assim desnudada, a pessoa alienada tornou-se uma ‘abstracção’. Como vimos, este é um termo mais amplo que Marx usa para se referir a qualquer factor que pareça isolado do todo social. É neste sentido que se fala de trabalho e capital estranhos como ‘abstracções’.8 Na sua forma mais simples, ‘abstracção’ refere-se ao tipo de pureza que se alcança no vazio. O seu oposto é um conjunto de pormenores significativos através dos quais as pessoas sabem que algo é único. Dado que estas particularidades envolvem relações internas com outros factores, qualquer factor é reconhecido como único na medida em que o todo social encontra expressão no mesmo. É porque não compreendemos as formas como o todo social está presente em qualquer factor (ou seja, toda a gama das suas qualidades particulares nas suas relações internas) que este factor parece ser independente do todo social, que se torna uma “abstracção”. Como abstracção, o que é único nele (que é a forma particular como está ligado a outros, concebido como parte do que é) perde-se de vista por detrás das suas semelhanças superficiais com outras abstracções. E é com base nestas semelhanças, generalizadas como classes de um ou outro tipo, que os homens alienados se propõem a compreender o seu mundo. Desta forma, a inteligência é mal orientada para a classificação.
O homem alienado é uma abstracção porque perdeu o contacto com toda a especificidade humana. Ele foi reduzido a realizar trabalho indiferenciado sobre objectos humanamente indistinguíveis entre pessoas privadas da sua variedade e compaixão humanas. Pouco resta das suas relações com a sua actividade, produto e companheiros que nos permita apreender as qualidades peculiares da sua espécie. Consequentemente, Marx sente que pode falar desta vida como “a existência abstracta do homem como um mero trabalhador que pode, portanto, cair do seu vazio preenchido para o vazio absoluto”.9 Embora Marx exagere claramente o seu argumento ao chamar ao homem alienado um buraco no ar, é numa noção tão extrema que o termo “abstracção” está enraizado.
Ao mesmo tempo que o indivíduo está a degenerar numa abstracção, as partes do seu ser que foram divididas (que já não estão sob o seu controlo) estão a sofrer a sua própria transformação. Três produtos finais deste desenvolvimento são a propriedade, a indústria e a religião, que Marx chama “elementos de vida alienados” do homem.10 (Esta lista não está de modo algum completa, mas o ponto não requer mais exemplos). Em cada caso, a outra metade de uma relação cortada, levada por uma dinâmica social própria, progride através de uma série de formas numa direcção longe do seu início no homem. Eventualmente, atinge uma vida independente, ou seja, assume “necessidades” que o indivíduo é então forçado a satisfazer, e a ligação original é praticamente obliterada. É este processo que explica em grande parte o poder que o dinheiro tem nas sociedades capitalistas, a compra de objectos que nunca poderiam ter sido vendidos se tivessem permanecido componentes integrais do seu produtor.
O que ocorre no mundo real reflecte-se na mente das pessoas: elementos essenciais do que significa ser homem são apreendidos como independentes e, em alguns casos, todas as entidades poderosas, cujas ligações com ele aparecem para além do que realmente são.11 As ideias que englobam esta realidade partilham todas as suas falhas.12 O todo dividiu-se em numerosas partes, cuja inter-relação no seu todo já não pode ser verificada. Esta é a essência da alienação, quer a parte em análise seja o homem, a sua actividade, o seu produto ou as suas ideias. A mesma separação e distorção é evidente em cada.
Se a alienação é a fragmentação da natureza humana em várias partes mal compreendidas, esperaríamos que o comunismo fosse apresentado como uma espécie de reunificação. E isto é exactamente o que encontramos. Numa ocasião, Marx afirma que o comunismo é “o regresso completo do homem a si próprio como um regresso social (ou seja, humano) tornar-se consciente, e realizado com toda a riqueza do desenvolvimento anterior”. É ‘a transcendência positiva de todo o afastamento, ou seja, o regresso do homem da religião, família, estado, etc., ao seu modo de existência humano, ou seja, social’.13 No comunismo a ruptura é curada, e todos os elementos que constituem um ser humano para Marx são reunidos. Muitas das características atribuídas ao comunismo pleno, tais como o fim da divisão do trabalho (cada pessoa está envolvida numa variedade de tarefas) e o apagamento das classes sociais, são exemplos claros deste processo de unificação no trabalho. No resto deste estudo, preocupar-me-ei principalmente em mostrar as provas de segmentação que exigiam um tal remédio.14
br>Notas
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* Para a maioria dos fins, ‘alienação’ (Entäusserung) e ‘afastamento’ (Entfremdung) podem ser tomados como sinónimos. A diferença de ênfase que por vezes é sugerida por estes termos só se tornará mais clara no decurso da discussão seguinte.